A Igreja nunca me feriu

“O pastor quer falar com você.”
Conheço um jovem em Cristo que sentia um frio na barriga sempre que ouvia essa frase, como ele acabara de ouvir. Após subir o zigue-zague da escadaria até a sala do pastor, ele bateu na porta duas vezes – nem muito forte, nem muito fraco, apenas o suficiente.
“Entre!”
Abrindo a porta só pela metade, o jovem perguntou: “Pastor, o senhor queria falar comigo?”
“Sim.” Sem sorrir, o pastor indicou a cadeira em frente à sua mesa: “Sente-se, por favor.”
“Pois não, pastor.”
“Sobre a mensagem de ontem...”
Foi a primeira pregação do tal jovem naquela igreja (se na carne, não sei; se no Espírito, não sei; Deus o sabe), como o mais novo auxiliar da equipe. Não lhe fora recomendado texto algum e, então, ele considerou pregar sobre confissão: o texto de Tiago 5.16 estava em sua mente. Liberdade chega com arrependimento e confissão de pecados, trazendo à luz o que está oculto nas trevas! Foi o que decidiu pregar.
“Foi uma boa mensagem...” Ainda sem sorrir, o pastor continuou: “...mas nessa igreja, auxiliar meu não prega mensagem como aquela.”
Quase sem gaguejar, o jovem perguntou: “Pastor, apenas para que eu entenda melhor, que tipo de mensagem devo pregar então?”
Faltando dar um tapa na mesa, o pastor respondeu: “Mensagens para abençoar!” E seguiu: “Aqui, auxiliar meu prega para abençoar o povo!”
O jovem não respondeu.
“Mensagens de doutrina, e de correção, essas apenas o titular prega. Aqui os auxiliares pregam para abençoar!”
Ao sair da sala, o jovem desceu os lances da escada em zigue-zague, ainda tentando entender. Era isso mesmo, não havia liberdade para pregar então? De que adiantou aquele treinamento todo? Aliás, se a mensagem foi boa, como fora dito, ela já não abençoou? Quando o próprio titular pregar as mensagens reservadas a ele, de doutrina e correção, ele não estará também abençoando o povo?
Então o jovem ponderou: “Mensagens para abençoar ... Claro!” Onde que ele estava com a cabeça? Que arrogância a dele! Imagine se cada auxiliar recém-chegado pregasse sem direção alguma da liderança! Isso não seria liberdade, isso seria bagunça. Evidentemente, ‘mensagens para abençoar’ são aquelas que não comprometem a visão da liderança e que, ao mesmo tempo, mantêm as pessoas comprometidas com essa liderança!
O jovem logo tratou de se adaptar. Afinal, ele não seria um rebelde, um ingrato, um desleal – não ele! Se ele quisesse continuar servindo ali, e crescendo onde ele fora enviado por Deus, que ele aprendesse a ser fiel, ora!
O jovem cresceu naquele ministério (se na carne, se no espírito, não sei; Deus o sabe) e não foi mais chamado para reprimendas na sala do pastor. Agora ele entrava naquela mesma sala para participar das reuniões, opinando inclusive, e para receber promoções vindas de um titular que já sorria-lhe. Ele aprendera, enfim, a ‘pregar para abençoar’.
De um jovem assim me gloriarei eu. Mais adiante, já ausente daquele ministério, esse jovem descobre que aquele seu pastor adulterava com mulheres da congregação, casadas e solteiras. Estas, contudo, são coisas inefáveis que ao leitor não seria lícito falar. ‘Mensagens para abençoar’... Claro! Uma pregação sobre confissão de pecados, confissão um ao outro? Isso não seria liberdade, isso seria bagunça. Vai que o povo obedece!
“Mas agora eu largo o ministério! Fui um tolo em gloriar-me!”, concluo internamente. Porém, é justo que eu agora me ressinta do ministério pastoral, apenas porque fui ludibriado e oprimido nele? É justo que eu me decepcione com a Igreja como um todo, denunciando sua corrupção como se fosse apenas vítima – e jamais, um cúmplice? Porque, se em algum momento fomos de fato feridos, afirmo: não foi a Igreja quem nos feriu. Foram pessoas de carne e osso – alguns lobos a serem desmascarados, verdade; mas outros, apenas ovelhas sendo ovelhas! O próprio Cristo as viu errantes e sem pastor, e sentiu compaixão por isso. O único que pode verdadeiramente dizer que foi (e continua sendo) ferido e oprimido pela Igreja é Ele – que, ainda assim, continua ligado a ela. Sou eu então que vou me desligar?
E para que eu não me exaltasse pela excelência dessa revelação, escrevi esse texto, que agora me serve de espinho. Afinal, se essa é uma questão estrutural da igreja brasileira, de uma cultura de intimidação em prol do status quo de líderes de certas denominações (e não de um pastor ou de uma igreja específica), então essa sempre foi, antes, uma questão de lealdade e deslealdade.
Aqueles que são leais a líderes corruptos, eles primeiramente o são pela inocência. Mas continuarão assim apenas se terceirizarem suas consciências. Num lampejo involuntário de consciência própria, eles continuam vítimas ou já tornaram-se cúmplices? Quanto aos que continuam fiéis ao Evangelho, mesmo considerados rebeldes, ingratos ou desleais, dentro ou fora dessas denominações, a eles restará uma coisa: completar os sofrimentos de Cristo. Simples assim! Haveria alternativa? Ainda que três vezes orem ao Senhor, esse espinho lhes pertence! Como também lhes pertence a consciência e o poder de Deus e a alegria no Espírito Santo e a graça do Senhor Jesus! E os leais – ao Evangelho – ainda dirão: Isso me basta.

Jubiracy Filho tem experiência em vendas, foi pastor, e agora prepara-se para ser escritor de ficção. Está cursando o Master of Arts, com concentração em Christianity and Arts, no Regent College.