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Três princípios para cristãos feministas


Há quem acredite que cristianismo não rima com feminismo. No entanto, há também aqueles que acreditam ser possível ao cristão fiel atender ao chamado de se engajar nas trincheiras da causa feminista. Dentre estes, por exemplo, está John G. Stackhouse Jr., professor de estudos religiosos e reitor acadêmico na Crandall University, no Canadá, e autor de Finally Feminist: A Pragmatic Christian Understanding of Gender (Finalmente Feminista: Uma compreensão cristã e pragmática sobre gênero). Embora haja muita variação no que se refere à nomenclatura, o termo feminista aqui segue a definição dada por Stackhouse: descreve aqueles(as) que lutam por dignidade, direitos, responsabilidades e glórias das mulheres – iguais em importância as dos homens – e que, portanto, rejeitam a discriminação contra as mesmas. Há muito o que se discutir sobre o assunto, mas existem no mínimo três princípios que os cristãos – homens e mulheres – feministas (também chamados igualitaristas neste texto), precisam considerar em sua vocação.

Primeiramente, é preciso reconhecer a soberania de Deus sobre a questão. Em seu livro, Stackhouse apresenta argumentos dos dois lados desse embate. Em resumo, de um lado estariam os complementaristas, que acreditam que homens e mulheres têm papéis complementares na igreja e em casa, definidos a partir do seu gênero biológico; do outro lado estariam os igualitaristas, que acreditam que tais papéis não são definidos por isso. Stackhouse identifica-se como feminista, isto é, igualitarista, mas discute com sinceridade ambos os argumentos, buscando um caminho de paz no meio de tanta discordância. De acordo com sua análise, o igualitarismo é parte do Reino de Deus, pois homem e mulher são imagem de Deus: “Criou Deus o homem a sua imagem, a imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gênesis 1:27).

Assim, da mesma forma que no passado a igreja dividiu-se em apoiar ou não a escravidão e, hoje, parece absurdo para qualquer cristão apoiar essa prática, no futuro, o Reino também será de igualdade entre homens e mulheres. Ele (Deus) mesmo está cuidando delas e direcionando a sociedade e o mundo para tal. E para a manifestação de características do Reino não há atraso, não há demora, Deus é soberano e está no comando. Basta notar como o assunto tem ficado mais popular e quantos avanços já foram alcançados. Embora o tempo de Deus não seja o nosso, Ele não está apenas observando, está agindo e isso é mais forte do que qualquer movimento contrário. O Reino começou com Jesus, mas ainda não está totalmente estabelecido. Estamos no tempo do ‘já, mas ainda não”. Igualitaristas costumam ter muito “já”; complementaristas, muito “ainda não”. Seria possível encontrar um equilíbrio? Embora circunstâncias contrárias à causa das mulheres ainda sejam fortes nas igrejas, a vontade de Deus se cumprirá, no Seu tempo. Com isso em vista, aborrecimentos e tristezas com a aparente apatia e contrariedade dos cristãos não devem ter espaço duradouro no coração, pois está aberta a possibilidade de olhar para a história e para o futuro com esperança e fé.

Em segundo lugar, é necessário considerar os limites da liberdade advogada pelos igualitaristas. Na ânsia de libertar-se da prisão do patriarcado, muitos têm perdido importantes valores cristãos no caminho. Na Carta aos Gálatas, o apóstolo Paulo afirma que “não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo” (3:26-28), indicando que podemos corajosamente nos relacionar com Deus e com os outros em plena liberdade. Logo mais adiante, no entanto, Paulo adverte sobre os perigos de uma liberdade sem limites: “Vocês foram chamados para a liberdade, irmãos e irmãs; somente não usem sua liberdade como uma oportunidade para o comodismo, mas através do amor tornem-se escravos uns dos outros. Pois toda a lei se resume num único mandamento, ‘você deve amar seu próximo como a si mesmo’” (5:13-14). Será que a liberdade em falar e agir em prol das mulheres tem ferido alguém no caminho? A liberdade em Jesus inclui cuidar do outro, tentar entender os limites de cada um para não ofender ou provocar desnecessariamente o próximo. No frigir dos ovos, a verdadeira liberdade individual é limitada, pois inclui a liberdade do outro, inclui o desejo de viver em comunidade de forma pacífica e santa. Ou, como Paulo escreve aos Coríntios, “Tudo é permitido mas nem tudo edifica, ninguém deve buscar o seu próprio bem, mas sim o dos outros” (1 Cor 10:23-24).

Finalmente, deve-se considerar a necessidade de submissão às circunstâncias. O próprio Deus submeteu-se, tomou a forma de homem e veio habitar entre nós. E no desejo de fazer justiça às mulheres, podemos errar e esquecer que também somos chamados a tal submissão. É necessário aprender a discernir quando, como e com quem falar. Há espaços e pessoas com as quais Deus já está falando nesse sentido, onde o Espírito já está trabalhando. Para outros espaços e pessoas, ainda muito fechados, o tema só trará mais briga. Stackhouse traz um bom parâmetro para quem está em dúvida sobre como agir: o objetivo máximo de Jesus é espalhar as Boas Novas do Reino, que mais pessoas o conheçam e sejam parte desse Reino de justiça e liberdade. Se qualquer assunto atrapalha a missão principal, é melhor deixar de lado, pelo menos por enquanto. O Reino de Deus é um reino de paz, de comunhão, de Shalom: satisfação e prosperidade plenas. A igualdade de valor e direito das mulheres é plano de Deus e com isso em vista é possível descansar e se sentir em paz, confiando que Ele está no controle desse movimento todo e estabelecendo o Reino a cada segundo, aqui, ali e acolá. Em última instância, Ele se importa mais com as mulheres do que todos os feministas e não-feministas juntos.

Esposa do Gustavo, Andrea está vivendo sua maior aventura no Canadá enquanto ele estuda no Regent College. Ecóloga, feminista, apaixonada por livros, pela natureza e por crianças, as quais ela tem descoberto melhor trabalhando como babá.


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