O menino Jesus de Rembrandt
As pinturas religiosas de Rembrandt devem fazer a gente parar e refletir. O artista holandês sempre escapa um pouco do enredo bíblico pra dar lugar a uma imaginação inovadora e, que ainda assim, fortalece o enredo dado pelo texto sagrado. Passadas as festividades do Natal, a pintura A Sagrada Família (1633-1635) pode fazer-nos pensar se percebemos o celebrado – o próprio Jesus – adequadamente. A obra surge com duas nuances instigantes.
A primeira advém da experiência pessoal de Rembrandt. No mesmo ano de conclusão desta pintura, ele e sua esposa esperavam seu primeiro filho. A imaginação do pintor voaria para as sensações de observar o rosto, ou de segurar o pezinho do bebê – assim como Maria e José fazem na imagem. Contudo, o bebê de Rembrandt, Rumbartus, infelizmente faleceu com dois meses de idade. Mesmo assim, é possível perceber nesta obra do artista a sua cuidadosa curiosidade de contemplar um bebê em sua condição singela e frágil.
A segunda nuance é teológica. Maria e José foram informados de que aquele bebê mudaria a história do povo de Israel e, conforme os Evangelhos se desenvolvem, também de toda a humanidade. A criança seria o próprio Deus Criador encarnado. Rembrandt captura na tela os sentimentos ambíguos nos pais de Jesus. Durante a gravidez, ambos devem ter se perguntado frequentemente: Que aparência poderia ter um bebê divino? Radiante como um anjo? Excepcionalmente perfeito e habilidoso como um guerreiro herculano? Ou seria ele portador de um corpo claramente diferente do nosso, a ponto de não conseguirem escondê-lo?
A chegada do bebê traria a resposta: tratava-se de um bebê normal, com corpo e comportamento típico. Choro, fome, sono... Como toda mãe faz, Maria checa com ternura o pezinho do seu próprio filho [e Deus]. José, como qualquer pai, observa o rosto do bebê, vulnerável e sereno. Quem afirmaria e confirmaria a divina distinção do pequeno seriam os visitantes: os anjos, os pastores, os magos, os anciãos Simeão e Ana. A importância dessas visitas, a ponto de serem registradas nos Evangelhos, não era demonstrar que Deus fortalecia Jesus – isso viria de outro modo e em outros tempos. As declarações dos visitantes fortaleciam um pai e uma mãe que nunca saberiam do caráter e função excepcional de seu filho por mera observação. Na intimidade, o bebê era como qualquer outro. José e Maria então percebem que receberam, ao mesmo tempo, uma criança comum e incomum.
Com o Natal recém-celebrado, lembramos que este Jesus age na história da mesma forma: comum e incomum. Muitas pessoas aproximam-se como ‘mensageiros divinos’ para informar que certas coisas que nos ocorrem só podem vir de uma fonte diferente do ordinário ou do acaso. Logo passamos a ver Deus onde antes só se enxergava um evento ocasional, um encontro corriqueiro ou uma repetição tediosa. Como com Maria e José, Deus age e faz questão de revelar-se e revigorar-nos a confiança em seus silenciosos recursos. Nas palavras do teólogo croata Miroslav Volf, “na maior parte despercebido, irreconhecível e escondido, Deus entrou no mundo. O mesmo acontece hoje; Precisamos de olhos pra ver, ouvidos pra ouvir, corações pra abraçar”.
Que Deus revele-se e revigore-nos no ano que virá. Estejamos sensíveis e atentos para o que pode parecer trivial mas não é. Feliz 2018, caro(a) leitor(a)!